PODER JUDICIARIO INSISTE NO DESPEJO JUDICIAL DA COMUNIDADE INDIGENA GUARANI-KAIOWA DO SUCURI'Y (MARACAJU, MS)

Com posicao claramente contraria aos Guarani-Kaiowa do Sucuri'y, oJuiz Substituto da 1a. Vara Federal de Campo Grande, MS, no dia deontem, 29/04/97, determinou que no prazo de 15 (quinze) dias a Funaicumpra a ordem de desocupacao da area indigena.

Algumas consideracoes devem ser feitas:

1. Ao determinar, reiteradamente, a retirada da comunidade de suaarea indigena, representantes do Poder Judiciario nao seguem apenas a"lei". Se e' verdade que Sebastiao Alves Marcondes e outros, que sedizem proprietarios da area indigena, de 500 ha, possui titulo depropriedade, que faz prova no Direito Civil, a comunidade tem a seufavor imperativo constitucional, que afirma serem nulos titulos queincidam sobre terra indigena. Parece ser sempre necessario lembrar: aarea foi reconhecida imemorial pela Portaria Ministerial n. 300, de 17de maio de 1996, e demarcada fisicamente em dezembro do mesmo ano.

2. Insensivel, Roberto Haddad, juiz do Tribunal Regional Federal(TRF), da 3a. Regiao, responsavel pela decisao de que devem osindigenas deixar sua terra, nao quis ouvi-los quando estiveram em SaoPaulo, a cerca de um mes. Aceitou a presenca de apenas um deles, pormenos de "tres minutos", sem que pudesse expor sua historia e de suagente. Segundo testemunho de Olicio Turiba, cacique, patriarca dogrupo, que tentou falar com Roberto Haddad, este foi logo afirmando:voces precisam sair da area invadida. Olicio Turiba comentou: "essehomem tem medo, nao sei do que. Nao deixou nem a gente falar,explicar".

3. Num outro momento, ao manifestar-se em recurso impetrado peloMinisterio Publico Federal, Roberto Haddad foi parcial e, ao se-lo,inveridico. Afirmou que os indigenas nao necessitam de seu pequenopedaco de chao porque fora dele estao a mais de cinquenta anos. Em1986 os ultimos remanescentes Guarani-Kaiowa, do outrora grande tekohaSucuri'y, foram vergonhosamente expulsos do municipio de Maracaju, MS.Sebastiao Alves Marcondes, `a epoca, tambem recorreu ao Judiciario,mas antes mesmo dele conseguir a decisao que queria, logrou apoio daFunai, Administracao Regional de Amambai, MS, e, com apoio daprefeitura local, que cedeu caminhoes, jogaram os indigenas e seuspertences na conturbada, pressionada e ja pequena reserva de Dourados,MS. Comecaram entao 10 anos de sofrimento, fome e desterro do grupoindigena. De Dourados foram para a area indigena do Rancho Jacare(Laguna Caarapa, MS), igualmente pequena e insuficiente a seusustento. Finalmente lograram pequena area, em comodato, ao lado darodovia, no distrito de Aroeira, municipio de Rio Brilhante, MS. Estesfatos sao publicos. Basta ver as noticias da epoca e o processo queentao tramitou. Por isso, Roberto Haddad falta com a verdade aoafirmar que os indigenas estiveram fora por cinquenta anos. Foiparcial porque atendeu apenas aos argumentos daqueles que seapropriaram da area indigena. Ironico e' que, apesar de tudo, nao te^ma coragem de afirmar que nao se trata de territorio indigena. Naoreconhecem que os indigenas por la' estavam ainda em 1986. Mas, pelomenos, ha cinquenta anos, la estavam. Quer dizer, sejam a cinquentaanos, sejam a 10 anos, nao importa. Seguem usurpando territoriosindigenas com a complacencia e ate mesmo aval de "membros doJudiciario".

4. Roberto Haddad (TRF) determina a Jean Marcos (Justica Federalde Campo Grande, MS) que determina `a Administracao Regional da Funaide Amambai, MS, para que promova a retirada dos indigenas. Primeiroconcederam um prazo de 10 dias. Depois prorrogaram-no. Agora,estranhamente, e' o juiz substituto da 1a. Vara Federal de CampoGrande, MS, quem determina novo prazo, `a Funai, para retirada dosindigenas, em 15 dias. Ou seja, um determina para o outro, e este paraum terceiro, sem que ninguem tenha a coragem de assumir o "ato" eexecuta-lo. De concreto sempre a mesma decisao do judiciario: osindios devem sair. Fazendo ouvidos moucos aos direitos dos indios.Prorrogando, interminavelmente, o clima de tensao e apreensao. Devemestar apostando que em algum momento conseguirao demover os Guarani-Kaiowa de seguir lutando pelo pequeno pedaco de chao, comprovadamentede ocupacao tradicional indigena. Pressao junto a comunidade, nestesentido, nao tem faltado. Devem estar apostando tambem nadesmoralizacao dos indigenas e de seus aliados, para que entao possamretira-los sem maiores repercussoes.

5. Ha que se dizer ainda, uma vez por todas, que nao cabe a Funairetirar indios de seus territorios. Esse nao e' seu papel. Nem suacompetencia. Isso acontecia em tempos idos, nao por ser seu encargo,mas por ter sido uma pratica politica, de alianca com os usurpadoresde terras indigenas. Pratica que levou ao criminoso confinamento a quehoje estao reduzidos os Guarani-Kaiowa do Mato Grosso do Sul, queexplica sua miseria, que tem levado, sobretudo jovens, ao suicidio. E'essencialmente a quebra do confinamento que pode devolver a esperancae a dignidade a esse povo.

Porque entao a justica intima a Administracao Regional da Funaipara que promova a retirada dos indigenas de sua terra? E porque ate omomento a Funai ainda nao se posicionou de maneira indubitavel,cristalina, a favor dos Guarani-Kaiowa do Sucuri'y? Porque esta'aceitando o jogo e vai pedir mais prazos para retirada dos indigenas?Chega. O Ministerio da Justica, orgao ao qual esta' subordinada aFunai, ja reconheceu que a terra e' indigena, demarcando-a. Naocompete a Funai retirar os indios. Quem ocupa a area sao os Guarani-Kaiowa, nunca intimados, ate entao, de qualquer decisao. Nao e' aFunai que ocupa a area. Espera-se, portanto, tambem da Funai estaposicao favoravel aos indigenas, que e' seu verdadeiro papel. Seupresidente esteve em Campo Grande, MS, nos dias 17, 18, 19 e 20 deabril, proximos passados, mas nem sequer se dignou a ir prestar suasolidariedade ao grupo indigena.

A partir de hoje, 30 de abril, contam os Guarani-Kaiowa doSucuri'y com o apoio e a solidariedade efetiva de outrosGuarani-Kaiowa, de outras areas indigenas. Comecou o "Aty-Guassu"(Grande Assembleia). Cerca de 100 representantes, liderancasreligiosas e politicas dos Guarani-Kaiowa, ja se deslocaram para oSucuri'y. Outras ainda deverao chegar nos proximos dias. Os indigenas,nunca intimados de qualquer decisao, cuja opiniao parecedefinitivamente nao importar o minimo ao Poder Judiciario, jaafirmaram, reiteradamente, seu firme proposito de nao mais abandonar opequeno territorio que depois de tanta luta, sofrimento, dor,humilhacao, o Estado brasileiro lhes destinou, atraves de PortariaDemarcatoria, mas que, por outro lado, o mesmo Estado, atraves doJudiciario, quer lhes arrancar. Estao as poucas familiasGuarani-Kaiowa do Sucuri'y dispostas a tudo, inclusive morrer sepreciso for. Nao te^m mais nada a perder, a nao ser a vida. Isso jamanifestaram a opiniao publica. Agora contam com o apoio efetivo deoutros patricios.

Necessario dizer que da parte do Conselho Indigenista Missionario,Regional MS, te^m os Guarani-Kaiowa do Sucuri'y toda a solidariedade etodo o apoio possivel. E' nesses momentos, sobretudo, que se exigemposicoes claras. Apoiamos os Guarani-Kaiowa porque deles e' oterritorio, outrora maior inclusive, e num passado nao tao remotoassim, falamos das primeiras decadas deste seculo, que hoje reocupama duras penas. Chega de lamentar suicidios. Chega de lamentar amiseria. Chega de chorar mortes humilhantes e barbaras como a deGaldino Pataxo. E' hora de agir. E' hora de devolver pelo menos partedo territorio Guarani-Kaiowa sistematicamente roubado. Mais dignidade,mais vida, perspectiva de futuro aos Guarani-Kaiowa, nao depende so daquestao da demarcacao e garantia de seus territorios tradicionais.Mas, necessariamente, fundamentalmente, passam, em primeiro lugar, poreste caminho. Nao estar a seu lado nesta questao e' nao estar ao ladodos Guarani-Kaiowa.

Finalmente. Diga-se uma vez mais: o poder judiciario tem todas ascondicoes de julgar favoravelmente aos Guarani-Kaiowa do Sucuri'y. Senao o faz e' porque, mais do que indica, sua decisao e' politica.

Chega de prazos. Pelo menos tenham a sensibilidade de, atejulgamento final do merito em torno da disputa pelo territorioGuarani-Kaiowa, de ali permitir tambem a presenca dos indigenas, semqualquer sombra de duvidas a parte mais fragil, mais necessitada.

Dos aliados, parceiros e amigos dos Guarani-Kaiowa, uma vez mais,aguardam eles, e no's tambem, o apoio, a manifestacao junto a quem temo poder de decisao neste pai's. Daqueles que o te^m esperamos quetomem a atitude que ha muito ja deveriam ter tomado: respeitem osGuarani-Kaiowa. Parem de afrontar a vida e a dignidade de quem hamuito vem sendo sistematicamente relegado. E' questao de justica, e'questao de direito.

Campo Grande, MS, 30 de abril de 1997.

Conselho Indigenista Missionario
Regional Mato Grosso do Sul
Cimi MS